sábado, 19 de abril de 2014

Parte II - Marçal faz cinema

A foto ampliada está no meio da Bienal. Marçal Aquino está fazendo "carão", brincamos entre nós. Marçal estará na Bienal, celeuma entre nós. A leitura mais recente da Irmandade é dele. Ainda estamos extasiadas com o livro Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Queremos conhecê-lo. A palestra num horário insólito em pleno sábado de aleluia não nos intimidou. O tema "Adaptações Literárias para o Cinema" nos pareceu promissor, apesar de não tanto poético. As representantes da Irmandade sentamos na segunda fileira para não dar tanta pinta. Marçal não se sentou na poltrona em cima do palco. Gesticulador - e mais alto do que imaginávamos - aproximou-se do público e falou como se tivesse num boteco. Os olhos brilharam o tempo inteiro, coisa de gente que é apaixonada pelo que faz.


Apesar de roteirista renomado, tanto no cinema quanto na televisão, Marçal confessa que sua grande paixão é a literatura. Não há como compará-la à missão do roteirista que é essencialmente técnica e contingenciada. Há filmes que superam suas versões em livro? Marçal não conseguiu pensar em nenhum, pelo contrário. Há boas adaptações - vide Lavoura Arcaica, A Insustentável Leveza do Ser... - mas não se pode dizer que superam as obras literárias.


Voltando à sua grande paixão, Aquino explica que o processo de escrever é pura descoberta. O escritor não sabe o que vai acontecer com a sua obra. Ainda adepto ao caderno, Marçal observa o mundo para descobrir a cena que vai se encaixar no livro que está à sua espera. Segue um casal que briga no meio da rua e inventa o final sentado em sua casa. Inventa. Escrever é imaginar.


Contudo, não dá para ser escritor nem roteirista sem ser um leitor voraz. Marçal lamenta a ausência da leitura na vida dos brasileiros e ironiza: como a tiragem média dos livros no país é de três mil exemplares, só temos três mil leitores. E radicaliza: só com eles que devemos nos relacionar. Ele nos convida então a sermos responsáveis por introduzir os outros ao nosso redor no mundo da literatura: filhos, vizinhos, amigos... Esperamos que você que esteja lendo esse blog seja tomado pela vontade de ler. Leia Marçal.


P.S.: Camila Pitanga - "o papel da vida dela" - também não é a Lavínia dele.

Mariana Carvalho

A Irmandade de Vênus na II Bienal Brasil do Livro e da Leitura - Parte I - Nosso encontro com Mia Couto e Gonçalo Tavares

A notícia de que Mia Couto participaria da Bienal do Livro em Brasília nos deixou alviçareiras, afinal, uma de suas obras, A Confissão da Leoa, foi objeto de um encontro da Irmandade que marcou o ano de 2013. A abordagem da opressão feminina, ilustrada por frases poéticas e prosa envolvente, em uma África permeada por caçadores, leões, violência sexual, paixão e loucura, nos tocou profundamente. A atmosfera perfeita para a discussão em grupo foi atingida com a reveleção da Ana Cláudia: seu tio foi um caçador na África e seu pai havia lutado na guerra da Angola, no lado dos portugueses. Mas, bem, essa é uma outra história, que merece um texto a parte, para transmitir todos os sentimentos e questionamentos que essa obra nos despertou. Esse parêntese é só para ilustrar que a vinda de Mia Couto a nossa Brasília, assim, no ladinho de nossas moradas, de fato nos deixou em rebuliço.

Pena que a Bienal aconteceu em um feriadão, com a Irmandade em peso viajando, então, nós, que ficamos na terrinha, fomos conferir o debate: “Tradição e atualidade da literatura de língua portuguesa”, com a participação do nosso querido Mia Couto e de Gonçalo Tavares, um autor português, confessamos, até então um ilustre desconhecido para nós. O tema do debate dava a impressão de que assistiríamos a uma aula sobre a história de literatura de língua portuguesa e as tendências das escolas da atualidade, ou seja, puro academicismo. Mas a oportunidade de ver, logo ali, o nosso grande autor, e a esperança de conseguir um autógrafo, já era motivação suficiente para sentar no auditório lotado de pessoas como nós: livro embaixo do braço e olhares curiosos.

Conta-se uma história sobre uma fila de carroças que trafegavam em uma estrada. Em determinado ponto o caminho se bifurca, as carroças viram à esquerda, e todas as outras que seguem atrás, cumprem a mesma jornada. O escritor é uma carroça que decide virar à direita. Ele pode e deve fazer diferente, porém deve ter a consciência ancestral do caminho seguido pelas carroças que o antecederam. Virar à direita, sabendo que todas as outras anteriores viararam à esquerda é diferente de virar à direita sem ter esse conhecimento. Assim deve ser o escritor, com um pé no passado, os olhos no futuro e um profundo pertencimento ao tempo presente. Com essa alegoria, Gonçalo Tavares iniciou sua fala sobre tradição e atualidade da literatura, nos deixando encantadas e curiosas para saber mais sobre esse autor. Mia Couto adicionou uma pitada poética à discussão: o pertencimento do autor a sua cultura e tradição traduz-se por duas palavras: raízes e asas.

E o debate fluiu leve, descontraído, como uma conversa entre amigos. O ato de escrever é quase visceral, não há como transformá-lo em um jogo de técnicas e regras. Mia, quando escreve, é dominado por vozes e aparições. Ele não cria personagens, ele é esse personagem. Quando fala sobre uma figura feminina, está traduzindo sua própria alma feminina. Ele é essa mulher. Gonçalo não redige sobre o que já sabe. O ato de escrever é um descobrir. O conto que já está pronto na memória jamais será escrito.
A obra de Mia Couto é toda sobre ele mesmo, até quando escreve sobre o que não viveu. Mia revelou que não conheceu seus avós e que a presença frequente dessas figuras no centro de seus romances tem tudo a ver com o fato de precisar dar vida aos avós que não teve. Em A Confissão da Leoa, o único consolo de Mariamar vem de seu amoroso avô, chamado Adjiru. Os avós são tradicionalmente contadores de histórias. Mia reconta as histórias dos avós que não teve.

Os escritores não são historiadores, mas contadores de histórias. A fala de Gonçalo Tavares veio permeada de histórias que pareciam surgir como por encanto para dar resposta às perguntas da plateia. Contou sobre dois trens que seguiam em direções opostas e, ao passarem por trilhos paralelos, cruzaram-se os olhares de duas pessoas que viajavam em trens diferentes. A força desse olhar foi tão intensa, que fez com que os trens passassem a trafegar na mesma direção, seguindo lado a lado. Assim, o autor ilustrou como deve ser a relação do leitor com o livro, uma atração tão eletrizante entre os olhares do autor e do leitor, que os faça seguir conectados. O leitor não é um telespectador. Ele interage com a obra literária. A sua postura diante de um livro é ativa, questionadora. Ao cabo de uma boa leitura, o peso do livro se transforma em massa corporal de lucidez. A cada 200 gramas de livro, 200 gramas de lucidez para o leitor.

Chegamos ao debate sem saber muito bem em que direção seguiríamos. Rapidamente nosso olhar foi fisgado pela fala poética e inspiradora dos dois escritores. Ao fim, o autógrafo, que não conseguimos, era o que menos importava. Saímos de lá levando algo muito mais valioso: aquele punhado de lucidez que a boa literatura nos traz.

Lenna Daher

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Como tudo começou - O Convite

De: Danielle Martins Silva [mailto:DanielleS@mpdft.gov.br]
Enviada: ter 11/1/2011 20:58
Assunto: Clube do Filme e do Livro: uma proposta de encontro


Queridas,
 
Conversando com minha querida Bia no final do ano passado, ela me falou sobre o círculo de leitura que estava pensando em montar. Achei a idéia genial e decidi "colar", inclusive a convidando para participar deste!! rsrsrsrs
 
Bem, é que eu sempre ficava pensando numa maneira de reunir mulheres com quem tenho imenso prazer de conviver, de conversar, de encontrar de vez em quando (mas cujo convívio mais próximo me faz falta), de ouvir contar histórias, de ver sorrir. Enfim, torno aqui pública a minha bem querência por cada uma de vocês, e pelo feminino em cada uma de vocês, manifestado de forma tão particular que as torna insubstituíveis em um círculo de leitura e compartilhamento de visões de mundo sobre um tema.
 
Pensava, também, sobre uma maneira interessante de nos vincularmos culturalmente, partilhando a vivência de um relato escrito ou filmado. A intenção é que possamos nos encontrar a cada dois meses, ou algo assim, e que cada uma de nós indique, ao longo do tempo, um livro ou filme sobre uma temática que julgar interessante.
 
O que acham da idéia?
 
Beijos
 
Dani